Desafiei os Oeste Sketchers a comemorar
o Dia Nacional dos Moinhos, com um encontro de desenho em Torres Vedras.
Desafio aceite, roteiro desenhado: Bordinheira, Caixeiros e Azenha de Santa
Cruz.
O primeiro desenho do dia, em jeito de aquecimento - paisagem marcada por moinhos tradicionais e industriais (energia eólica).
Junto à Estação de Serviço BP Casalinhos de
Alfaiata.
10h e os desenhadores vão chegando. Algumas
desistências devido à chuva, mas mesmo assim tivemos 22 participantes e duas estreias no grupo, a Susana
Coelho, membro do grupo Évora Sketchers, e uma estreia absoluta no desenho, a
Carla Inácio de Torres Vedras. O primeiro a chegar foi o Sr. Joaquim
Constantino, mais conhecido por Quim, moleiro e nosso anfitrião. A sua casa
fica junto ao moinho, cujo piso térreo acolhe a maquinaria necessária para poder ensacar a farinha. O quotidiano deste moleiro
divide-se essencialmente por estes três espaços. O seu patrão é o
vento, pois é ele quem lhe dá ordens e sustento. A sua
produção divide-se entre o artesanal e o industrial, mas o que não se divide é
a qualidade da farinha - única e de excelência. O Sr. Joaquim é a
terceira geração de moleiros e tudo começou com o seu avô, ainda no séc.
XIX, com o Moinho Frade, que actualmente pertence a uma prima. O seu pai
continuou com a profissão e no ano de 1946 construiu o segundo moinho do
Casal Moinho Frade, o agora conhecido "Moinho do Constantino".
Sábado costuma ser um dia agitado e muito trabalho, desde a moagem, ao ensacar e também à distribuição, tudo feito pelo nosso anfitrião. Mas a generosidade
deste moleiro levou-o a reservar a manhã para nós. Colocou as velas a
jeito, mas não as soltou, devido ao mau tempo. Apenas para a fotografia... ou
melhor, apenas para o desenho.
(Fotografias do autor)
A chuva demorou a chegar, até por que "ela anda
ali mais para o lado da Freiria. Lá está negro, eles andam a rezar pouco",
rematava assim o Sr. Joaquim com a sua risada que tão bem o caracteriza.
Acreditei nele e fiz mais um desenho.
À direita o original Moinho do Constantino e à esquerda uma réplica feita pelo Sr. Joaquim.
Afinal não é só na Freiria que se reza pouco, na
Bordinheira também. A chuva chegou, mas em forma de aguaceiros rápidos. Os
moinhos e a moagem transformaram-se em abrigos. O óptimo estado de
conservação em que se encontram, conferiram todo o conforto necessário para uma
boa manhã de desenhos. As abertas foram aproveitadas por alguns. Outros
transformaram a moagem num verdadeiro atelier, e ainda houve quem preferisse o
automóvel.
´
(Fotografias do autor)
E outros, como eu, aproveitaram para saber o que é
"habitar" um moinho. Instalei-me no 3º piso, junto ao capelo. O som
da chuva a bater no capelo é música para os ouvidos. A visão
perde-se perante tantos pormenores - madeira, pedra, metal, cordas...
Tanto para desenhar, tanto para conhecer e reter (nos cadernos e na memória). Um lugar mágico por um lado,
mas por outro leva-nos a imaginar a vida dura que os moleiros tinham.
Desenho feito no 3º piso do moinho Frade (ilustração do autor).
No final, lancei o desafio de
deixarmos com o Sr. Joaquim uma lembrança que marcasse a nossa passagem. Pegar numa saca de
farinha nova e personaliza-la com um desenho de cada desenhador. Aceite e
superado.
(Fotografias do autor)
No momento da habitual partilha de desenhos, tivemos o privilégio de conhecer o moleiro mais antigo da
freguesia da Ventosa, o Sr. Benedito Ferreira Carimbo, que este ano celebrará
90 anos de vida, quase toda ela dedicada aos moinhos. Nunca teve outra profissão,
foi amor para a toda a vida e isso percebe-se no brilho dos olhos quando fala
sobre os moinhos e os moleiros. Imaginem só as histórias que ele tem para
contar. Combinámos um encontro, para conhecer o seu velhinho moinho do Cortiço,
mas sobretudo para ouvir as histórias que tem para partilhar.
O seu moinho, localizado em Bonabal,
está abandonado desde a década de 1970, quando "uma espécie de tufão
passou por lá e levou o capelo. Foi uma dor de alma, um dos dias mais tristes
da minha vida, nem sabia o que fazer. Mas fiz-me ao caminho e construí uma pequena
moagem e continuei a trabalhar até não poder mais. Hoje é o meu filho que segue
com o negócio, mas o moinho nunca mais foi recuperado, continua lá em ruína, é
uma tristeza. Mas custa muito dinheiro arranjar aquilo..." (Sr.
Benedito)
Enquanto conversava com os Srs. Benedito e Joaquim, saíram uns registos para memória futura.
Foto de grupo na companhia dos moleiros que nos receberam de forma excepcional.